Restaurante Músical: Imaginarium IV – “O Chef”

Publicado por JAM Music em

por Rodrigho Moraes

Escrevi os especiais de hoje na lousa em frente ao meu restaurante:

Entradas:
Beethoven assado com batatas e queijo
e
Chopin al dente e molho branco

Sobremesas:
Mozart polvilhado com açúcar e canela, recheado com nozes e rum
e
Vivaldi umedecido com café fresquinho, queijo mascarpone e cacau em pó

Meu Restaurante faz algum sucesso, apontado por revistas como ponto turístico. Aqui dentro, em um ambiente agradável de iluminação baixa, há fones de ouvido em cada mesa. O cliente é servido com o prato que escolhe, coloca o fone… e a mágica acontece.

Não escolho qualquer música para os pratos, claro. Há toda uma ciência especulativa por trás dessas ideias, toda uma associação de ingredientes e sabores com notas, tessituras, harmonias e melodias. Gosto de trabalhar cada compositor com pratos típicos de sua origem, mas não há limites para a criatividade.

Beethoven hoje é um clássico Gratinierte Kartoffeln, prato alemão feito com batatas, leite fresco, queijo, pimenta-do-reino e noz-moscada, servido ao II mov. da 5ª Sinfonia – uma melodia saborosa, delicada e ao mesmo tempo marcante.

O Chopin será cozido com massa da casa e servido ao molho branco com cebolinha e manjericão [colhidos de minha horta, fresquinhos]. Será apreciado com as notas românticas do Noturno n° 2 em Mi bemol.

Mozart, um delicioso Apfelstrudel. É uma sobremesa austríaca, preparado para que meu cliente possa saboreá-la através da sonata n° 15 para piano, em Dó Maior: uma música que remete a infância e toda sua inocência… até que, devido ao rum do compasso 29 em diante, torna-se levemente amarga, num prelúdio delicioso sobre os caminhos davida.

O tiramisù, receita italiana, será servida ao terceiro movimento da Primavera de Vivaldi, uma das peças mais conhecidas do compositor.

Ainda há outros pratos famosos, como o alemão Hackepeter: feito de carne crua temperada e servida com pão rústico e cerveja de trigo, não é para qualquer paladar. Mas se você ousar experimentar, será arrebatado pelos sabores em associação a Pathetique de Beethoven em Dó menor.

E claro, devo falar sobre a sobremesa mais vendida: o “Gabriel Fauré tostado ao Crème Brûlée”, servida ao som da doce Dolly Suíte, I mov., Berceuse.

Todos os estudos que fiz para chegar nesses resultados se avolumam em notas espalhadas por minha cozinha. Passo horas ouvindo e criando e cozinhando, e só depois de ter muita certeza é que passo as receitas aos meus cozinheiros.

Além disso, gosto de compor de vez em quando, e trabalho com alguns conceitos divertidos para sentir o sabor das notas:

Doce – acordes maiores
Amargo – acordes diminutos
Azedo – acordes aumentados

Acrescente sétima maior a um acorde maior e o tornará mais doce
Acrescente sétima menor a um acorde maior e o tornará menos doce

Confesso que, no começo, tive alguma dificuldade para expressar os sabores dos acordes menores. No perfeito clichê, poderiam muito bem se passar pelo “amargo” – mas no âmbito popular, amargo em geral é sinônimo de “ruim” [um conceito que me fere tanto musical quanto gastronomicamente].

A descoberta aconteceu em um certo fim de tarde, quando visitava uma premiada vinícola artesanal. Ao apreciar seu melhor vinho, fui tomado por uma sensação maravilhosa: aquilo era um puro acorde menor, com sétimas e extensões. Acordes menores podem ser doces – mas não no nível ingênuo de açúcar e balas.

Hoje, em minha adega há safras de tons menores. A garrafa mais pedida é a Mi menor com nona maior.

Há somente doze tríades maiores – e o mesmo para menores, aumentados e diminutos. Cada um separado do outro tem um sabor diferente, como ingredientes aleatórios numa cozinha. O acorde de Dó Maior, por exemplo, é docinho feito um chocolate ao leite, 30% de cacau; Mi Maior, morangos [com leve acidez]; Lá Maior, pera suculenta e bem doce e etc. Mas é a combinação que faz o prato: em uma progressão de
acordes, Mi e Dó Maior seguidos podem não exatamente representar morangos com chocolate – daí um aprofundamento maior de harmonia [que também estuda a relação entre dois e mais acordes] para sabermos qual sonata ou concerto devemos saborear com quais pratos típicos.

É claro que o restaurante chama atenção de músicos e compositores. Alguns simplesmente se deixam levar pela brincadeira, sentindo a verdade poética da coisa toda e me parabenizando pela criatividade. Outros acham um tremendo absurdo, apontando que a música é a mais pura das artes e não pode ser associada com nada além dela mesma e que seu significado subjetivo é próprio de cada pessoa e que blablablá.

Apesar disso, tenho uma marca admirável de fregueses fixos e experimentadores. É um bom lugar para vir tomar um vinho em dó menor, safra 2009, ou pedir aquele Debussy frito na manteiga, com bacon.

 

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Categoria: Blog

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