Como cantar e tocar com seu instrumento

Publicado por JAM Music em 2 de abril de 2024

por William Guimarães

Em todos esses anos lecionando posso afirmar com toda certeza de que são incontáveis as vezes que meus alunos me reportam a queixa de que gostariam de cantar as músicas que estão tocando nesse momento, ou ainda que sempre há uma cobrança não dita (porém por vezes expressada) que você como instrumentista que não está utilizando a boca nesse exato momento para nada além de respirar deveria estar entoando uma bela melodia.

Para você que não se sente à vontade cantando ou simplesmente não tem interesse nisso, posso te acalmar dizendo que essa obrigação que parece intrínseca na verdade não é real. Tocar o seu instrumento e usar sua expressividade da maneira que acha confortável basta, pode respirar tranquilamente daqui para a frente. Agora para aqueles que ainda querem ser convencidos de aliar a arte do canto junto ao seu instrumento, ou aqueles que já desejam isso, mas não sabem por onde começar eu imagino que posso sim te ajudar.

Gostaria de começar dizendo que aliar o estudo do canto junto do instrumento vai trazer benefícios para os dois lados. Claro que haverá dificuldades de coordenação, vamos sentir que o toque e o ritmo vão de alguma maneira atrapalhar o canto, ou não saberemos onde encaixar as entradas e frases cantadas em determinado ritmo, mas você consegue ver que isso é um sintoma de algo maior? Talvez de maneira instintiva, ou junto da gravação é fácil lembrar de onde entrar ou onde estão as pausas, porém quando essa responsabilidade é toda sua fica um pouco mais difícil, até porque a gravação tem vários sinais sonoros e dicas que temos decorados, pois amamos tanto aquela música e já escutamos tantas vezes que já temos tudo isso internalizado sem mais pensar. Também aproveitando sua atenção até aqui posso lhe dizer uma dura realidade: a gravação não erra, só a gente mesmo.

Na minha maneira de estudar o instrumento tem a fundamentação de tudo. Nele podemos entender qual a base da canção que estamos querendo executar. Começando com o ritmo da música temos um bom ponto de partida. Nele descobrimos que tipo de música estamos tocando e qual a estética que estamos buscando. O ritmo ou a “levada” é parte que normalmente conseguimos aprender, decorar e internalizar primeiro. Então é interessante começar por ele tentando não somente executar esse ritmo, mas sim torná-lo automático. De forma que você já não precise mais pensar para conseguir executar. E muitas vezes os ritmos que utilizamos em uma música serão novamente usados em outras, esse trabalho pode ser bastante repetitivo, porém você irá reaproveitá-lo muito mais do que imagina.

O Sertanejo tem várias batidas muito importantes, a guarânia é uma delas:

Já com o ritmo “em mãos” podemos agora nos concentrar na melodia, a parte mais destacada de uma canção, tão destacada que sua atuação só pode ser destinada a voz humana, assim definindo o termo canção. Quando estiver tentando entender que notas deve cantar, novamente o instrumento será seu maior aliado. Nele você pode aprender a melodia, e conferir as notas que está com dificuldade. Assim você terá certeza de que está afinado, poderá também isolar os trechos que ainda não entendeu, de uma maneira que não vai mais ser pego de surpresa por aquela passagem que te incomoda.

Ninguém melhor que Djavan para exemplificar um ritmo difícil em contraste com uma melodia linda com várias passagens complexas.

Cantando e tocando você pode ouvir a confluência da harmonia com a melodia. Muitas vezes as notas que estamos cantando estão dispostas no acorde que está sendo executado. Assim você pode ouvir não só que sua nota cantada está correta, mas também qual o papel dela em conjunto dos outros sons que estão ressoando. Esse papel nem sempre é de consonância, ou seja, uma nota que traga uma sensação de relaxamento e completude para a música, muitas vezes a voz fará a nota de dissonância, um som com o objetivo de trazer estranhamento, curiosidade e conflito com aquilo que está sendo tocado. Para visualizar isso novamente o instrumento é essencial. Pode ser criado uma gama de exercícios para que você entenda qual seria o som final que precisa ser escutado, cantando e tocando você pode ter o controle sobre isso, tento a completude e gerência de todas as partes da música.

Aqui temos o próprio mestre Gilberto Gil ensinando a música “refazenda”, música em que ritmo, harmonia e melodia se completam de maneira única.

Tomara que isso tenha aguçado sua curiosidade e vontade de aprender dessa maneira, pois não somente você melhora seu ritmo, sua afinação, seu entendimento da música que quer tocar como um todo, mas também como resultado consegue aprender a música que tanto gostaria de apresentar, não parece uma equação com um saldo bastante positivo?