Você sabe qual é a primeira obra erudita nacionalista no Brasil?
Você sabe qual é a música considerada por muitos como a primeira obra erudita de caráter nacionalista no Brasil?
por Natacha Tereza Hellstrom
De acordo com várias bibliografias pesquisadas, Itiberê é a primeira figura a ser mencionada na tendência nacionalista da música brasileira, através da obra para piano “A Sertaneja”, composta entre 1866 e 1869, tendo como precursor o compositor Alexandre Levy, que em suas composições, a preocupação nacionalista já existia com o emprego de temas originais ao lado de melodias autenticamente populares.
Brasílio Itiberê da Cunha nasceu em Paranaguá, em 8 de setembro de 1846. Formado em direito, era ativamente envolvido com a política de nosso país, paralelamente ao seu interesse pela música:
[…] um homem político engajado, preocupado com a soberania de seu país, com a afirmação cultural de sua nação, com a liberdade de seu povo Brasílio Itiberê não tinha a atividade musical como meio de vida, o que pode ter minimizado sua importância na história da música brasileira. Entretanto, é minimamente lembrado porque deixou transparecer, reconhecidamente, o emergente nacionalismo em apenas uma obra: A Sertaneja.
(MAROCHI JR e BORÉM, 2008, p. 12)
De acordo com Marochi Junior e Borém (2008, p. 13), Itiberê acompanhou a “crescente efervescência do pianismo que a sociedade paulista experimentava na segunda metade do século XIX” e teve a oportunidade de se aproximar de compositores e instrumentistas reconhecidos como: Giovanni Sgambati, Franz Liszt e Anton Rubinstein, os quais teriam influenciado sua obra, nas quais predominam os títulos convencionais do repertório erudito de salão do século XIX, mas outras além de A sertaneja merecem um estudo cuidadoso para se verificar até onde se estende seu viés nacionalista.
Estilística e indiretamente, A Sertaneja acaba fazendo referência a dois outros nacionalistas: o húngaro Franz Liszt e o polonês Frédéric Chopin, embora não pela exoticidade de um viés melódico, rítmico ou harmônico, mas sim pelo caráter rapsódico, pela concepção sonora e pela escrita idiomática do piano romântico da segunda metade do século XIX.
(MAROCHI JR e BORÉM, 2008, p. 16)
Muitos compositores brasileiros neste período já buscavam um nacionalismo musical, como cita Marochi Junior e Borém: Alexandre Levy (1864-1892) Luís Levy (1861-1935, Alberto Nepomuceno (1864-1920), Antônio José da Silva (1705-1739 e Carlos Gomes (1836-1896), entretanto, do ponto de vista do alcance destas obras “pré-nacionalistas”, nenhuma obteve o êxito e a popularidade de A Sertaneja, ao utilizar explicitamente um tema folclórico brasileiro:
De fato, A Sertaneja, obra de juventude de Brasílio Itiberê (publicada quando este tinha 23 anos) e que se tornou a mais conhecida do compositor, apontava para a emergência de um nacionalismo na música erudita brasileira devido à inclusão, no seu tema central, de fragmentos do Balaio, meu bem, balaio. Este tema folclórico, popular não apenas no Paraná, mas em outros estados como Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Sergipe está ligado à tradição de dança do fandango português ou, mesmo, do bambaquerê (dança de bambá) de origem africana.
(MAROCHI JR e BORÉM, 2008, p. 13, APUD CAMEU, 1970).
As duas primeiras análises apresentadas sobre essa obra, da etnomusicóloga Helza Cameu e o musicólogo José Maria Neves, estão associadas e comparadas no artigo de Marochi Junior e Borém:
Dentro das diferenças regionais que o tema folclórico Balaio, meu bem, balaio possa apresentar, CAMEU (1970) identificou, entre sete fragmentos folclóricos cantados ou instrumentais que Brasílio Itiberê listou para SANT’ANNA NERY (1889), dois utilizados em A Sertaneja, os quais chamaremos aqui de Balaio 1 e Balaio 2. Na análise que faz, NEVES (1996, p. 68-74) considera que “A estrutura formal de A Sertaneja é extremamente simples…” e diz que “Não parece necessária, entretanto, a busca deste possível parentesco…“ entre as versões de Balaio. Tanto ele quanto Helza Cameu buscam explicar a estrutura rapsódica da obra de Brasílio Itiberê a partir da recorrência melódica explícita desses dois fragmentos foclóricos, mas não chegam a cogitar as diversas derivações rítmicas e intervalares que possam existir a partir das duas versões. Se a solução formal que Helza Cameu propõe é um “rondó imperfeito”, José Maria Neves especula entre a posição da colega, a caracterização de uma “verdadeira rapsódia” e a “definição de fantasia”, mas não deixa clara sua posição (NEVES, 1996, p. 73).
(MAROCHI JR e BORÉM, 2008, p. 17)
Conforme a citação acima, o exemplo 1 abaixo apresenta as melodias e os diversos motivos das versões Balaio 1 e Balaio 2 que Brasílio Itiberê utilizou em A Sertaneja:
Marochi Junior e Fausto Borém, observam que o típico ritmo do acompanhamento da habanera, que aparece na melodia do Balaio 1, foi se tornando cada vez mais comum entre os compositores brasileiros do tango brasileiro no repertório erudito de salão e do choro ao final da segunda metade do século XIX.
Harmonicamente, A Sertaneja gira em torno de apenas um centro tonal (LÁ b). Obtendo contraste através da mistura modal entre o LábM e Lábm, e num curto momento na dominante MibM, “ressaltando o esquema formal de arco que permeia a obra”. (MAROCHI JR e BORÉM, 2008, p. 19).
Dentro da perspectiva nacionalista, segundo NEVES (1996, p. 72), A Sertaneja pode também lembrar “um clima mais modinheiro” numa referência ao gênero musical brasileiro já bastante popular fora dos círculos eruditos.
Apesar de estar fortemente ligada a procedimentos composicionais da tradição germânica, A Sertaneja é considerada uma obra nacionalista por apresentar literalmente os temas folclóricos Balaio, meu bem, balaio, e, ainda conforme a bibliografia num clima “modinheiro” caracterizando a sua nacionalidade brasileira.
REFERÊNCIAS:
BORÉM, Fausto e MAROCHI JUNIOR, Mario Luiz. Artigo: “A sertaneja de Brasílio Itiberê: Nacional ou estrangeira, amadorística ou sofisticada?” Publicado na Revista Ufg, v. 8, nº 2, Minas Gerais, 2008. <http://www.revistas.ufg.br/index.php/musica/article/view/6007/4638>
SILVA, Jonatas Francisco. “Musica Erudita Brasileira”. Publicação online. Acesso em 19/10/2014. <http://www.coladaweb.com/artes/a-musica-brasileira>
NEVES, Maria José. Brasílio Itiberê: vida e obra. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba 1996. p. 72.
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